terça-feira, maio 11, 2010

I

Eu vi na treva o brilho da espada e a flamula das lanças,
Rugir como chacais irmãos contra os irmãos,
E eu vi a soluçar as pálidas crianças
Cruzando sobre o peito as pequeninas mãos.

Eu vi três irmãos - vício, dor e o orgulho, e as três irmãs - a fome, a peste e a guerra -
Batendo de noite às portas de um bordel.
Senti sob os meu pés estremecer a terra
E bramir na amplidão a voz de Ezequiel.

E nisto o Céu tornou-se aberto e transparente;
E a Lua, triste, envolta num sudário,
Aparece a tremer silenciosamente,
Branca como Jesus na noite do Calvário.

E o mar, o vasto oceano profundo e soluçante,
Vendo surgir da Lua o pálido fulgor,
Arqueia enormemente o dorso triunfante,
Como um leão raivoso em convulsões de amor.
Arqueia-se, eleva-se às montanhas,
Tomba sobre si mesmo em rude cataclismo,
Arranca mil trovões das entranhas,
Levanta-se outra vez, cai outra vez no abismo.

E então eu vi surgir Você, assim, de repente.
Bela como a Beatriz de Dante,
Uma visão radiosa. A luz do seu olhar
Tinha as cintilações mágicas do luar,
A total formosura, os ares transcendentes
De um céu da primavera. As curvas das serpentes.

Aproximou-se, e então, disse-me:
"Escuta:
Que pensamentos maus, fantásticos, insanos
Fazem murchar a flor dos teus trinta e quatro anos,
Como folhas do outono extintas sobre a pedra e o pó?!
Um rosário de luz! trinta e quatro anos só!
Para longe a tristeza e mais longe ainda as mágoas!
Levanta o teu olhar do turbilhão das águas
E lança-o pelo espaço harmonioso e vago
Se a terra é um grande mar, o céu é um grande lago."